Precatório
Possuindo nome de cachaça famosa, Pitú, a menor entre as 5570 cidades brasileiras, é um pequeno lugarejo localizado no norte da Bahia, às beiras do Rio Canabrava.
Habitado por cerca de 760 pessoas, o município é conhecido, além de seu nanismo, por ser o único no Brasil que não possui uma escola. As crianças pituzenses estudam desde 1974 numa sala anexa da prefeitura da cidade, sob os cuidados de Maria Tereza – A única professora do local. Lá elas são alfabetizadas e seguem, aos 8 anos, para Orlofe, onde devem continuar seus estudos.
Maria Tereza é funcionária da prefeitura de Pitú desde o mesmo ano de 1974. Ela foi a única moradora que decidiu seguir o magistério após a conclusão de seus estudos, em 1969, por acreditar ser aquela a sua missão de vida. Desde então Tereza ensinou a todos os cidadãos de Pitú que são alfabetizados. Por suas mãos passaram, por exemplo, um dos únicos médicos da cidade, o fisioterapeuta do posto de saúde e Arquimedes – o atual prefeito do município.
Não fossem o baixo salário que recebe todo mês e o fato de nunca poder ter gozado uma licença prêmio (por ser única no que faz), Maria teria na profissão que escolheu o grande orgulho da vida. Os vencimentos de pouco mais de R$1.200,00 já não dão conta da quantidade de remédios que essa senhora de 74 anos tem de comprar todo o mês para a garantia de sua saúde física e mental.
Tereza, no entanto, começou 2018 com largo sorriso no rosto. Soube pela TV de 29 polegadas que tem em sua casa que, por uma diferença de cálculo no fundo repassado pelo governo federal aos municípios (inclusive Pitú) durante o final do século passado e o início deste, ela poderia receber algum valor indenizatório ou acréscimo em seu salário. Assim, quem sabe, o sonho de ter um final de vida um pouco mais tranquilo seria realizado.
A professora não contou tempo e, no fim do expediente do primeiro dia útil do mês, correu para a prefeitura para uma conversa individual com o prefeito Arquimedes. Maria Tereza foi recebida pelo próprio junto com um advogado e viu e ouviu seu sonho rolar por água abaixo. Com um conjunto de argumentos fundamentados por algumas das mais de 10 leis que lhe foram apresentadas, Arquimedes a disse que a quantia seria utilizada para o desenvolvimento da educação do município, bem como a modernização do quadro de funcionários – que seriam mais bem preparados e capacitados para desempenhar a função com melhor maestria e maior salário. O próprio ainda destacou que já havia solicitado a aposentadoria compulsória da funcionária sob a justificativa de que, pela idade, ela não tinha mais capacidade de lecionar.
Desolada e desiludida, Maria Teresa retornou à sua residência aos prantos. Desejou poder ainda ser jovem e mudar de profissão ou tomar um porre, assim como o nome de sua própria cidade sugere, mas sabia da impossibilidade da ocorrência pela sua idade. A sua aposentadoria, no entanto, não pôde ser gozada. Ela faleceu de infarto fulminante, em plena sala de aula. O motivo, segundo Rafael – um dos poucos médicos da cidade e seu ex-aluno- foi a não utilização de remédios para controle do ritmo cardíaco.
Nenhum concurso foi aberto para substituir a vaga de Maria Tereza. A prefeitura contratou Sueli, a irmã do prefeito, recém-formada em pedagogia. O salário dela, assim como prometido pelo mesmo no passado, foi ampliado em quatro vezes em menos de um mês.
Com o restante da verba do repasse do governo, Arquimedes anunciou que construiria uma escola em homenagem à Maria Tereza. Infelizmente o empreendimento não teve sequer 4 paredes erguidas – A obra foi abandonada pelo meio e a empresa/prefeitura estão sob investigação de desvio de dinheiro público.
João Marcelo Rocha
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