Sururu. Este é o nome da moeda criada pelo quilombo Kaonge, uma das comunidades quilombolas da Rota da Liberdade, na Zona Rural de Santiago do Iguape, em Cachoeira, município do Recôncavo Baiano que fica a cerca de 110 km de Salvador. Além de dinheiro próprio, a comunidade também criou um banco – chamado de Banco Comunitário Solidário dos Iguapes.
Criada em 2012, a moeda tem circulação apenas interna nas comunidades do Vale do Iguape e sua existência foi comunicada ao Banco Central. Os empréstimos do sururu são feitos sem juros e os comércios locais passaram a aceitar o dinheiro.
A criação da moeda e do banco social possibilitou que moradores da comunidade acabassem com dívidas. O Kaonge tem cerca de 52 famílias, grande parte chefiadas por mulheres – que, na maioria, são marisqueiras e apicultoras, atividades que compõem a principal força econômica da região.
O montante em sururu recebido nos comércios locais é trocado posteriormente por real pelos comerciantes no Banco Comunitário, que possui uma agente de crédito, profissional responsável pelo cadastro dos moradores e controle dos empréstimos.
O projeto foi criado pelo líder comunitário Ananias Viana. Ele diz que a ideia é uma experiência ancestral e que os casos recorrentes de dívidas dos quilombolas com os comerciantes foi a principal motivação para a criação da moeda. “Logo após a escravidão, nossos ancestrais usavam a moeda deles. Não tinha dinheiro, mas usavam o que a gente chama de moeda de troca“, explica.
Houve dificuldade para implementar o projeto no início, especialmente entre os donos de lojas e mercados locais. Porém, cerca de dois anos depois da implantação, o novo dinheiro já havia sido aceito e incorporado à comunidade.
Para as compras, os comércios aceitam pagamentos nas duas moedas, mas a troca só pode ser feita no Banco Comunitário – o câmbio é fixo de 1 real para 1 sururu. Atualmente, o sistema é aceito em todas as 18 comunidades do Vale do Iguape.
O fundo financeiro do banco é mantido por contribuições de integrantes da comunidade, projetos externos e pelo retorno das atividades turísticas no quilombo. O montante é usado pelo banco social para oferecer empréstimos à própria comunidade, dando suporte financeiro a quem estiver em necessidade, sempre sem juros.
Paraíso das ostras
O nome sururu foi escolhido em referência a uma espécie de molusco comum na região. A concha do animal estampa, inclusive, a nota de 5 sururus. Porém, também poderia se chamar ostra. É que o quilombo Koange promove, desde 2009, a Festa da Ostra, em um fim de semana por ano.
Durante a festa, há diversas opções de pratos preparados com o molusco. E o melhor: tudo bem fresquinho, feito pelas mesmas famílias que pegam as ostras no mar. Os crustáceos são criados no Dendê, quilombo vizinho, nas águas do rio Paraguaçu.
A comunidade se prepara toda, enfeita a área, faz uma feirinha de artesanato e realiza oficinas. Na última edição, em outubro de 2022, a programação contou ainda com apresentações de samba de roda e shows de artistas como o cantor Jau.
A moeda social sururu é utilizada na Festa da Ostra, que já chegou a sua 14ª edição. “Não é só uma festa, tudo isso foi através da arte. A arte tem um poder de transformação”, ressalta Ananias Viana.
Via: Alô Alô Bahia
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