Engenheiro negro no século 19. Pioneiro no projeto de modernização do Brasil. Engajado no movimento de abolição da escravidão. Intelectual influente na política. Essas são algumas das características de André Rebouças, personagem que teve sua história contada através de cartas e diários, publicadas em uma série de livros pela Chão Editora. Com organização e posfácio da historiadora Hebe Mattos, o primeiro volume Cartas da África: registro de correspondência (1891-1893), lançado em de dezembro último, mostra a consciência política e racial de André, durante uma viagem pelo continente africano.
“Eu me encantei com as Cartas da África, elas são bonitas e têm muito valor literário. É sempre bom ler uma história. O livro tem uma reflexão sobre o Brasil, tem uma reflexão sobre o racismo, mas é sobretudo a história de um homem brasileiro, abolicionista, super inteligente e um engenheiro de ponta”, explicou a organizadora Hebe Mattos.
Ao longo de 196 cartas enviadas a 26 remetentes, como José Carlos Rodrigues – então proprietário do Jornal do Commercio – Joaquim Nabuco e o próprio imperador Dom Pedro II, o leitor pode mergulhar no pensamento desse personagem histórico brasileiro.
André Pinto Rebouças, filho do conselheiro Antônio Rebouças, nasceu em Cachoeira (BA) em meados do século 19. Homem cosmopolita, completou seus estudos de engenharia na Europa e passou seus últimos anos de vida na África, com um projeto de modernização do continente. Durante sua viagem, ele copiou seus registros de correspondência, onde se nomeia como “Negro André” ou “André Africano”.
“A grande originalidade dos escritos dele é essa afirmação cada vez mais orgulhosa da sua alma africana e da luta pela possibilidade plena de cidadania para os negros e negras do país e do mundo”, afirma Hebe Mattos.
Resgate da memória
As cartas reunidas em Cartas da África: registro de correspondência, 1891-1893 mostram a visão de Rebouças sobre os acontecimentos políticos no Brasil e na África, como a proclamação da república e a expansão europeia no continente. Segundo o livro, André via a proclamação como um golpe militar dos insatisfeitos com o fim da escravidão, abolida sem indenização para as pessoas negras libertas no ano anterior, em 13 de maio de 1888.
Hebe, especializada em estudos sobre as relações socioculturais da escravidão do século XIX pela universidade federal fluminense (UFF), recorreu a biografias e livros sobre André Rebouças, principalmente os diários publicados em 1938 por José Veríssimo.
Ao visitar a Fundação Joaquim Nabuco, Hebe pôde fotografar cartas inéditas do período de André na África para o primeiro volume da série, lançada pela Chão. “O desafio é contar a história de André, a partir do próprio texto dele: é como se fosse uma série, os correspondentes vão se construindo como personagens dessa história”, contou a historiadora.
No pósfacio do livro, a autora reflete sobre a invisibilização de pensadores negros da época na memória do país. “A maior contribuição da leitura do livro para pensar o racismo à brasileira é como ele invisibiliza a experiência das pessoas negras livres do século 19. ‘Eu existo, eu sou importante a beça, eu tenho uma contribuição para esse país e para o mundo!’, dizia Rebouças. Elas existiram – apesar do racismo”, afirmou.
O Engenheiro Abolicionista: diários 1882-1885, próximo volume da série, já está em construção. Em seguida, estão previstos mais 3 volumes: A abolição incompleta: diário (1887-1888), O amigo do imperador: registro de correspondência (1889-1891) e Cartas de Funchal (1893-1898), que também serão lançados pela Chão Editora e distribuídos pela Editora 34.
Via: ATarde
Foto: Acervo
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