Slezynger reconhece que foi por muito tempo um motorista desatento, tanto que foi reprovado 13 vezes- 13!- no exame para habilitação nos Estados Unidos. Aos 86 anos, desistiu do volante, mas o do carro, veja bem, porque o da Unigel, empresa que dirige de maneira “líquida esolvente” há mais de meio século, não cogita largar tão cedo, ainda mais agora, quando acredita ter chegado no melhor trecho da viagem. “Tem sido a fase mais produtivae interessante da minha vida.
A tal terceira idade me trouxe muita coisa boa”, comemora Slezynger, cujas conquistas mais recentes incluem erguer a primeira fábrica de hidrogênio verdedo país, figurar entre os bilionários brasileiros na lista da”Forbes”, com fortuna estimada em R$ 17,2 bilhões, e entrar no agronegócio, tornando-se o maior produtor de fertilizantes nitrogenados do país.
“Antigamente, diz o empresário, à mesa do A Bela Sintra, o sujeito se aposentava cedo, perdia o interesse na vida, até definhar e morrer. Mas como morrer não está nos meus planos”, brinca, procura manter-se ativo. Aestratégia tem dado resultado no aspecto intelectual, nem tanto no físico, afirma o ex-jogador de tênis que hoje faz fisioterapia para o joelho e anda com o apoio de uma bengala.
Os funcionários de sua empresa também adotaram a cultura de não se aposentar cedo. Um dos mais longevos foi Anderson, que se manteve na ativa até os 94 anos.”Ele teve muita visibilidade, era um ex-prisioneiro de não teve o mesmo destino”.
Os Slezynger fugiram da Antuérpia, na Bélgica, em 1939, quando Henri tinha três anos de idade.
O pai trabalhava no comércio de diamantes, continuou no ramo no Brasil e pôde proporcionar à família o mesmo padrão de vida que tinham na Europa. A mãe era advogada, “numa época em que nem se falava em feminismo”, e ficou muito amiga da escritora Cecília Meireles, que frequentava a sua casa. O nome da empresa, Unigel, aliás, é uma homenagem à mãe, cujo sobrenome de solteira era Tygel. “Fico emocionado”, diz, antes de levantar o antebraço para enxugar os olhos.
Gisella tocava piano e fazia questão que os filhos também dominassem algum instrumento. Ao menino coube o violino, “abandonado por amor à música”. Com o intuito de mandar o filho estudar fora, os pais o matricularam em uma escola americana, boa para aprender inglês, péssima para as outras matérias curriculares.
Aos 16 anos, Slezynger embarcou para os Estados Unidos. Seus colegas estrangeiros passavam o dia debruçados sobre os livros enquanto ele se divertia na mesa de bilhar, desacostumado que estava em estudar. Mas logo entendeu que se continuasse assim seria reprovado e enviado de volta para casa. O esforço lhe rendeu a aprovação no curso de engenharia químicado Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT, seguido de um mestrado na mesma instituição.
Para encontrar estágios nos Estados Unidos, não teve a mesma facilidade. As empresas, diz, não queriam treinar candidatos estrangeiros, pois provavelmente voltariam para seus países de origem, colocando a perder o investimento feito neles. A sorte de Slezynger mudou quando a Pfizer decidiu construir uma fábrica de antibióticos no Brasil. Naquela época, início dos anos 1960, nosso país era o terceiro maior produtor de antibióticos do mundo. Depois de dois anos na empresa nos Estados Unidos, transferiram-no para uma unidade em Guarulhos, em São Paulo.
Slezynger permaneceu na farmacêutica por uma década e chegou a ser preparado para assumir a presidência da Pfizer no Brasil.
Uma de suas recordações é de uma cidade minúscula do Nordeste, no meio do nada, com apenas uma rua, cujo únicolugar para dormir era um pardieiro em cima de um posto de gasolina. Com receio de tocar no lençol imundo, dormiu sem tirar a roupa do corpo. Mas uma guinada na cúpula da multinacional lhe tirou a chance de ascender. Para não desanimá-lo, acenaram com dois postos. Um na Argentina, país que vivia uma época de tensão por causa das ações da guerrilha urbana. Outro na América Central, para “roubar” o cargo de presidente da região, ocupado por um de seus ex-colegas do MIT. Recusou as duas ofertas e saiu da Pfizer.
“Está tudo bem?”, pergunta o português Carlos Bettencourt, checando o freguês de longa data. Slezynger, com o garfo na casquinha de siri, não tem do que reclamar. O dono do restaurante o trata tão bem que a seu pedido incluiu suas preferências no cardápio, como o vinho português Planalto e a mousse de goiaba. Para o nosso almoço, preparou e imprimiu um menu sob medida para o cliente costumaz. Bettencourt se despede, com seu forte sotaquedo Alentejo, e o empresário traz seu antigo sócio argentino à baila, o químico Edgardo Menghini. “Edgardo tinha um sotaquecarregado, mas não era nem espanhol, nem português, era uma língua própria”, brinca.
Espécie de professor Pardal, Menghini usava a cozinha de casa para suas experiências. Por isso, diz, a esposa do amigo celebrou ao saber que os dois tinham alugado uma casa na Mooca para produzir resinas acrílicas para lanternas de automóveis. A Proquigel, como foi batizada a empresa, foi fundada em 1966, período em que o setor estava em ebulição.
Logo o local se mostrou inapropriado, já que o sabão que sobrava das misturas era tanto que passou a transbordar dos ralos das casas da redondeza. Antes que fossem expulsos, decidiram sair por conta própria. No fim dos anos 1970, os dois fundaram também a Central de Polímeros da Bahia (CPB) e passaram a produzir outros tipos de resina.
Nos anos 1990, Slezynger foi procurado por um alemão, funcionário da Bayer, interessado emcomprar a CPB. Por considerar o valor pedido uma exorbitância, não fechou negócio. O segundo interessado em adquirir a CPB teve uma reação oposta. Ao ouvir o preço, teve um ataque de riso e desistiu da operação. Pouco tempo depois, como se nada tivesse acontecido, o alemão da Bayer voltou ao Brasil e selou a transação.
Nos anos seguintes, Slezynger passou a expandir seus negócios no país, comprando empresas como a Acinor, da Rhodia; a Metacril, da Degussa; e a CBE, da Basf, além de abrir fábrica no México, tornando-se uma das maiores petroquímicas do Brasil sob o nome Unigel.
E a Braskem, gigante do setor, controlada pela Novonor, da família Odebrecht, e pela Petrobras, não tem interesse em comprar? O empecilho maior, responde Slezynger, é que os donos da empresa querem vender o controle do negócio. Se pudesse comprar fatiado, ele teria interesse na unidade da Bahia, da qual a Unigel é a maior cliente.
“Mas ela quer vender tudo junto, é grande demais. As ações sobem e descem, é tudo muito ambíguo.”
A estreia da Unigel como fornecedora do agronegócio é recente. Em 2019, a empresa arrendou duas fábrica sde fertilizantes nitrogenados da Petrobras – uma em Laranjeiras (SE), a outra em Camaçari (BA). A empresa já fabricava sulfato de amônia (um subproduto donitrogênio), o qu ea qualificou a entrar na licitação. Mas como essas unidades estavam hibernando, foi preciso investir pesado paracolocá-laspara funcionar, algo que so se concretizou no ano passado.
Em fevereiro, a então ministra da Agricultura, Tereza Cristina, chegou a anunciar que a Petrobras teria vendido a unidade de fertilizantes em Três Lagoas (MS) para o grupo russo Acron.
Slezynger diz que chegou a entrar em contato com a senadora Simone Tebet (MDB), ex-prefeita de Três Lagoas, sobre o tema, porque havia informações de que os russos não pretendiam concluir a fábrica. Tebet, que confirma contato da Unigel, foi uma das figuras-chaves para que a transação fosse cancelada. “Por que é que a Petrobras […] está vendendo a fábrica de fertilizantes nitrogenados da América Latina no meu município, quase acabada, cuja área eu doei, enquanto prefeita, para uma empresa russa que não vai produzir fertilizantes; vai misturar fertilizantes da Rússia que ela não tem ou que não podem chegar ao Brasil?”, discursou no Senado.
Após o imbróglio, a Petrobras retomou o processo de venda da unidade de Minas. Slezynger considerou entrar na disputa, mas declinou. “Minha maneira de gerir é não dar passo maior do que a perna, somos conservadores financeiramente. Desembolsar US$ 700 milhões só para terminar de construir a fábrica não é pouca coisa.”
Transação desse vulto, diz Slezynger, está mais talhada para o russo Andrey Melnichenko, principal acionista da EuroChem, dono de helicóptero, submarino, dois iates, um deles com o preço módico de US$ 528 milhões. “Sério, eu vi no Google”, diz, rindo, ao revelar que anda a xeretar os bens do russo.
Nesse momento, um garçom atravessa o salão carregandoa árvore de Natal para colocá-la em um canto. Só então nos damos conta de que a freguesia está com os olhos na televisão, ligada sem som, sintonizada no jogo entre Marrocos e Espanha, que acaba de ri para a disputa de pênaltis. Giramos a cadeira para enxergar melhor, suspendemos a conversa e o ar, e só retomamos após a vitória dos africanos. Slezynger, torcedor do Fluminense e um dos primeiros a ter cadeira cativa no Maracanã, acompanhou a Copa do Mundo, mas foi vetado no bolão da empresa. “Não seria justo”, argumenta, em tom de troça, Luiz Fustaino, diretor de comunicação externa e de relações com investidores da Unigel. Além dele, Paulo Sadalla, da FSB Comunicações, também acompanha o almoço.
O empresário diz não ter ficado contente de figurar na lista da “Forbes” entre os mais ricos do país, algo que só aconteceu porque a Unigel decidiu abrir o capital e precisou divulgar seus números. Dependesse de sua vontade, diz, permaneceria eternamente sem fazer alarde da sua fortuna. Sua empresa, prossegue, desenvolve várias ações sociais- de escolas para crianças e jovens carentes em Candeias, Bahia, passando por um centro de estudos de terapia genética do hospital Albert Einstein, até o MIT, sua antiga escola em Massachusetts.
Slezynger está no terceiro casamento e tem cinco filhos, quatro com a primeira companheira e um com a segunda. Na herança que o empresário pretende deixar para o clã e para o mundo, “embora morrer não esteja nos meus planos”, repete, está seu projeto de fabricar hidrogênio e amônia verde e ajudar a combater as mudanças climáticas do planeta. “O produto ainda não existe, mas já tem muita gente interessada”, avisa o empresário, que se posiciona para ser um ator relevante em um mercado promissor.
Considerado o combustível do futuro, o produto promete ser uma alternativa no processo de transição energética,com potencial para reduzir a emissão de gases poluentes dos setores de transporte, siderurgia, química e da própria geração de energia elétrica.
Considerado ocombustível do futuro,oproduto promete ser uma alternativa no processo de transição energética,com potencial para reduzir a emissão de gases poluentes dos setores de transporte, siderurgia, química e da própria geração d eenergia elétrica.
Com investimento inicial de US$ 120milhões, a fábrica deve entrar em operação até o fim de 2023. Na segunda fase, prevista para 2025, deve quadruplicar de tamanho. “Agora, em primeira mão, estamos cogitando uma terceira fase, que usaria a fábrica inteira de Camaçari para produzir 100 mil toneladas de hidrogênio verde e 600 mil de amônia verde.” O curioso da amônia é o seu paradoxo, diz Slezynger, citando o livro”The Alchemy of Air”, de Thomas Hager (Three Rivers Press), que havia acabado de ler. Esse composto químico pode colaborar para preservar a vida, mas também para causar mortes. No fim do século XIX, havia o receio de que os adubos naturais como o guapo, produzidos a partir do excremento de pássaros, fossem se esgotar, causando fome global e colocando em risco a sobrevivência da nossa espécie.
Algumas décadas depois, segundo o livro de Hager, o químico alemão Fritz Haber conseguiu extrair nitrogênio do ar, nutriente fundamental para o crescimento das plantas. A empresa Basf comprou a patente do processo e Carl Bosch, que trabalhava na empresa, transformou a ideia de Haber em realidade.
O garçom aparece com as sobremesas. Já com a colher na mousse de goiaba, o empresário diz que está “cautelosamente esperançoso” como governo eleito. “Acredito que será uma gestão pragmática, mais moderada e sem as deficiências do passado. Chega uma idade que a pessoa querdeixar um legado, e Lula está nesta fase.”
Slezynger doou R$ 200 mil para acampanha de Jerônimo Rodrigues (PT), eleito governador da Bahia. A razão, diz, é sua antiga amizade com o senador petista Jaques Wagner. “É uma história interessante”, avisa. Wagner foi do diretório acadêmico da Faculdade de Engenharia Civil da PUC-RJ, mas em razão de sua militância política teve que abandonar o curso durante o regime militar. Com receio de ser preso, diz o empresário, ele fugiu coma roupa do corpo e foi para a Bahia. Chegando lá, bateu na porta de uma fábrica para pedir emprego. Havia uma vaga de torneiro mecânico. O carioca disse que não tinha a menor ideia ade como exercer o ofício, mas insistiu para que lhe contratassem, garantindo que daria conta. Anos mais tarde, Slezynger estava na Bahia para participar de um evento da Unigel do qual Wagner, então governador do estado e já seu amigo, também participou. O empresário subiu ao palco para discursar carregando uma ficha que havia encontrado no departamento de pessoal de sua empresa. “Olha as coincidências da vida, a fábrica que o Jaques foi pedir emprego hoje é nossa. Entreguei aficha e ele começou a chorar, fico emocionado quando conto”, diz, passando o dorso da mão sobre os olhos.
Enquanto o garçom serve uma rodada de café com docinhos, Slezynger alcança uma sacola com brindes de acrílico com o logo da empresa. “Assim vocês lembram da gente”, diz, oferecendo-os à repórter e à fotógrafa do Valor. Depois, saca um papel para mostrar a lista de medalhas e títulos recebidos recentemente. “Fiquei muito honrado. Por isso eu digo, a terceira idade só tem me trazido coisas boas.”
Matéria: Valor.OGlobo
Deixe seu comentário