Há cerca de 20 anos, 180 famílias de Madre de Deus, cidade da região metropolitana de Salvador (RMS), estão expostas à contaminação por derivados de petróleo, a exemplo do benzeno. O problema, denunciado por A TARDE em 2008, com a descoberta de um laudo técnico arquivado na prefeitura local desde 2002, foi causado pelo vazamento de substâncias de um antigo tanque da Companhia de Carbono Coloidais (CCC), localizado atrás da rua Santos Dumont, no centro de Madre de Deus.
Nos dias de hoje, enquanto o processo de remediação ambiental segue em curso nos 32.074 m² de área afetada pelo vazamento, moradores estão no mesmo local, sem respostas efetivas dos órgãos públicos e privados, vulneráveis aos danos materiais e de saúde causados pela contaminação das casas. O atual processo de remediação é feito pela prefeitura de Madre de Deus e a empresa Braskem, com o acompanhamento do Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA).
O agente de trânsito Edinailton dos Santos, 55 anos, morador da rua, desenvolveuproblemas respiratórios causados pela contaminação do solo. Ele conta que utiliza bombinhas de ar para vencer a constante sensação de cansaço. “Os sintomas
apareceram pouco tempo depois da contaminação. Como o quintal de minha casa fica grudado no terreno onde ocorreu o vazamento do tanque, a minha residência, a exemplo de todas as casas da vizinhança, ficou contaminada com benzeno. E alguns vizinhos desenvolveram câncer, problemas respiratórios”, diz Edinailton.
Além do problema de saúde, ele enfrenta o desafio de manter a casa em pé. Por causa do vazamento, o imóvel apresenta trincas e rachaduras, causadas pelo processo de assentamento do solo. Entre um cômodo e outro, o desnível do chão chama a atenção e aumenta a preocupação.
Medo
Na casa da autônoma Juciene Palmeira, 52, as rachaduras causadas pelo afundamento do solo são visíveis da fachada ao quintal, cercado por um muro que separa o terreno da área da CCC. No quarto, uma pequena “ladeira” foi formada no chão e a cama precisou ganhar o reforço de um bloco para ficar equilibrada e não partir ao meio.
“Não tem nem como reformar a casa, vai rachar outra vez. Moro com a minha filha, de 26 anos, e a gente vive com medo de a casa desabar. A laje do teto já tem várias rachaduras também, pois o chão segue afundando. Além disso, basta fazer qualquer buraco no chão para o cheiro dos químicos subir”, lamenta Juciene.
Para o vereador Val Peças (PSB), líder do governo na Câmara de Vereadores local, a situação dos moradores é alarmante. “Precisamos de respostas. Eles precisam deixar o local, é um absurdo passarem todos estes anos sobre um solo que está contaminado, com pessoas doentes, casas em situação de risco”, aponta o vereador.
A advogada da Câmara de Vereadores, Janete Kotula, responsável pela solicitação do laudo que atestou a contaminação e recomendou a urgente remoção dos moradores (que ficou engavetado desde 2002 e foi divulgado por A TARDE em 2008), mostra preocupação com a falta de avanço nas questões judiciais do caso. “Na ocasião, a Hidroplan Hidrogeologia e Planejamento Ambiental, sediada em São Paulo, produziu o documento de remediação. A empresa foi contratada para esclarecer o problema que fora detectado pelo então Centro de Recursos Ambientais (CRA), atual Inema, em 2000, e que levou à imediata demolição de um conjunto habitacional construído no local pela prefeitura”, lembra a advogada.
De acordo com Janete Kotula, os fatos que envolvem a contaminação em Madre de Deus, bem como uma possível participação da Braskem no processo de descontaminação da área, organizada em um termo de compromisso ambiental articulado pelo município, a empresa e o MP-BA, ainda precisam ser esclarecidos. “Como não existe ainda um inquérito sobre o caso, faltam explicações mais claras sobre as motivações e objetivos dos agentes envolvidos na remediação”.
PREFEITURA DIZ QUE FALTAM VAGAS PARA REALOCAÇÃO DOS MORADORES
Em nota, a prefeitura de Madre de Deus afirma que os focos do termo de compromisso assinado pelos envolvidos eram a descontaminação da área e a retirada das pessoas: “Com relação à realocação das pessoas para outras unidades habitacionais, a informação é que seriam incluídas no programa Minha Casa, Minha Vida, mas não houve a disponibilização de unidades habitacionais”. Ainda segundo a prefeitura, a Braskem fez uma doação de R$ 3 milhões ao município, que foram utilizados na construção de dois galpões para a Central de Abastecimento, que está em construção.
Já a Braskem, em resposta por escrito, afirma que colabora, por solicitação do órgão ambiental estadual (Inema), dando apoio técnico e financeiro ao plano de remediação ambiental, por seu “amplo conhecimento técnico sobre produtos químicos”. E que a doação financeira para a prefeitura teve como objetivo “fomentar a geração de emprego e renda no município”.
Sobre a relação comos envolvidos na contaminação, a Braskem afirma que o vazamento ocorreu há mais de 30 anos em um tanque da CCC com produtos da Tecnor. “A Braskem nunca teve relação societária com a CCC ou com a Tecnor e nunca teve operação no município de Madre de Deus”, completa a nota.
Procurado, o Ministério Público não deu retorno sobre o caso de Madre de Deus até o fechamento da reportagem. Do mesmo modo, o Inema não respondeu sobre a participação do órgão no processo de descontaminação da área e assistência técnica à prefeitura.
Matéria: Reprodução A Tarde
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