Fontes do Jornal Grande Bahia (JGB) encaminharam nesta quinta-feira (18/04/2019) cópia do ofício redigido na quarta-feira (16) pela juíza do Trabalho Olga Batista Alves, cujo teor é endereçado ao tenente coronel Luziel Andrade, comandante do Policiamento e Operações Policiais da Região Leste, entidade com sede em Feira de Santana. No documento, o denso relato de Abuso de Autoridade praticado por policial militar e o descaso no atendimento à população observado no pátio do Departamento Estadual de Trânsito (DETRAN Bahia). Envolvendo um idoso, uma infração de trânsito e a ação abusiva de policial militar contra o idoso e a magistrada federal, o caso denunciado representa grave violência ao Estado Democrático de Direito praticado por autoridade policial, em concomitância com o desrespeito dos Direitos do Cidadão observados no precário antedimento por órgão do Estado da Bahia.
O fato relatado sobre abuso de autoridade policial ocorreu na Avenida Ayrton Sena, em Feira de Santana, e teve desdobramentos. Lamentavelmente, ele é mais um de centenas de episódios que ocorrem no cotidiano das cidades brasileiras. Mas, diferente da maioria, estava do outro lado, como vítima solidária, alguém que conhece o Direito e exerce o Poder.
A contundente denúncia apresentada pela juíza federal revela o descaso e desrespeito com a qual, cotidianamente, cidadãos são abordados por alguns policiais, culminada com a desqualificada atuação de alguns órgãos de governo no atendimento aos cidadãos. Não obstante, a situação é representativa dos recorrentes relatos de policiais citados em atos de corrupção e ou com abordagens que apresentam excesso de violência.
Destaca-se que o relato da juíza Olga Batista Alves deve servir de paradigma para o entendimento que o respeito aos Direitos Civis é condição sine qua non para construção de uma sociedade pacífica, solidária e harmoniosa e que cabe ao servidores públicos serem exemplos neste processo. Obseva-se que ao cobrar o cumprimento da Lei, foi a própria Justiça vítima do abuso de autoridade praticado pelo policial militar.
Justiça e punição severa é o que a sociedade espera para os que abusam das prerrogativas da função, violando o Estado Democrático de Direito.
Confira íntegra da denúncia da magistrada federal
Exm° Cel. Luziel Andrade de Oliveira comandante do Policiamento e Operações Policiais da Região Leste do Estado da Bahia
Olga Beatriz Vasconcelos Batista Alves, juíza do trabalho, lotada na presidência do Tribunal do Trabalho da 5a Região, matrícula n° 49680, vem, respeitosamente, trazer ao conhecimento de V. Senhoria, as informações do incidente ocorrido no dia 15.04.2019, com o veículo FOX, placa policial JSG 8963, de propriedade do Sr. Orlando Carneiro de Almeida, CpF- 118.548.12572, em uma blitz da polícia militar de Feira de Santana, às 16:30hs., próximo ao viaduto da Av. Ayrton Sena, sendo o veículo conduzido pelo proprietário.
O condutor do veículo infringiu o CTN ao transitar em mão diversa da permitida naquele local, sendo abordado pelo Sgt. Cotia, que de forma arbitrária, utilizando de coação empunhando uma arma de grosso calibre, além de efetuar a multa, apreendeu o veículo, o documento do carro e a CNH do Sr. Orlando, forçando o mesmo de forma muita agressiva e constrangedora, a dirigir o veículo ora apreendido até o Pátio do Sobradinho, o que já caracteriza excesso e ilegalidade, pois se o condutor teve o veículo, a habilitação e o documento do carro apreendido, não poderia legalmente conduzi-lo até o pátio do Detran, e o pior, a mando da própria polícia.
Por se tratar de uma pessoa idosa, este ligou para seu filho Isaías Viñas Llera de Almeida, que por ser meu assistente no tribunal, encontrava-se em minha companhia e me relatou o ocorrido, assim como o desespero do seu pai, que teve seu veículo apreendido por ter transitado em contramão.
Diante do desespero de ambos, pedi ao meu assistente que me levasse até o pátio para tentar uma solução pacífica, como por exemplo, multar o veículo pela infração cometida e liberar o mesmo e a documentação do condutor.
Logo ao chegar em frente ao pátio, havia um aglomerado de pessoas, muitas humildes, que pediam para entrar e conversar com algum responsável, mas ninguém lhes dava ouvidos, confesso que neste momento me senti verdadeiramente constrangida por ver como o cidadão comum é tratado em alguns órgãos públicos, sem ter uma voz que fale por ele.
Após alguns eternos minutos gritando na porta do pátio, um cidadão, cuja função se assemelhava a porteiro, me atendeu e perguntou o que eu queria ali. Então respondi que um amigo esta detido naquele local e me foi proibida a entrada, então me identifiquei como magistrada e após mais alguns eternos minutos abriram uma porta lateral, sendo que ao meu lado estava um advogado, que não teve sua entrada permitida, apesar da CF/88 lhe assegurar tal direito.
Entrando no pátio ouvi a versão do condutor Sr. Orlando e então procurei o policial que apreendeu o veículo, o Sgt. Cotia, que já tinha a informação de que eu era magistrada e me recebeu com a seguinte pergunta: ” qual a autoridade que a senhora pensa exercer aqui”. Informei que estava ali como amiga do condutor do veículo apreendido e queria saber o que realmente aconteceu, pois só tinha ouvido uma versão.
Sempre de forma autoritária e agressiva empunhando a lateral da sua arma contra o próprio peito, falou “que o condutor deu uma contramão e ainda fez exibicionismo com o carro em flagrante direção perigosa, juridicamente. Então, inocentemente, lhe falei que como podia um senhorzinho de 64 anos cometer tal infração, foi quando o Sgt. Cotia se alterou mais ainda e disse que eu estava lhe chamando de mentiroso e que iria me prender por desacato.
Então lhe informei, o que ele como tão conhecedor das leis devia saber, já que citou vários artigos de vários códigos, inclusive penal, que não cometi nenhum desacato, e que mesmo se tivesse praticado tal crime, por ser juíza federal, só poderia ser presa em flagrante de crime inafiançável, e o crime de desacato cabe fiança.
Mesmo após ter lhe avisado de que não poderia me prender, o policial continuou gritando que eu tinha lhe chamado de “mentiroso e tipinho”, e ameaçando me algemar na frente de todos que lá estavam, foi quando percebi que aquela situação tinha que ser contida e pedi para falar com seu comandante e este disse que o comandante ali era ele e que eu seria presa por desacato.
Foi neste momento que senti que se não me impusesse como magistrada o Sgt. Cotia iria me algemar, mesmo sabendo que não poderia, mas para demonstrar poder e causar constrangimento. Ai o enfrentei e lhe disse que me prendesse naquele momento, pois iria levar tudo ao conhecimento do comandante do batalhão de Feira de Santana através da presidência do tribunal, foi quando este saiu e mandou que levassem a mim e ao meu assistente para fora do pátio, sendo conduzidos pelos braços para o lado de fora.
Como se tratava da Polícia Militar, instituição pela qual tenho grande apreço e respeito, inclusive por ser filha de militar, e possuir grandes amigos como o Cel. Sturaro, para o qual liguei em busca de conselho, sobre qual providência deveria tomar diante do ocorrido.
Como estava muito nervosa, mal conseguia falar com ele ao telefone, então ele mandou seu contato através de mensagem e disse que lhe contasse todo o ocorrido, o que prontamente fiz e fui muito bem recebida pelo senhor e seus policiais, que pacificamente, pelo menos de forma temporária, como reza a lei, resolveram a situação da melhor forma possível.
Porém Cel. Lucival, como as palavras muito bem colocadas pelo senhor quando me recebeu gentilmente em seu gabinete, a polícia não é apenas para os ricos, autoridades e amigos, mas para todos os cidadãos, pois todos pagamos os seus salários, sendo que a função da polícia é manter a ordem, o respeito as leis e às instituições brasileiras, assim como dar segurança à população e não para abusar, extorquir e constranger cidadãos de bem, manchando, assim, o nome de tão nobre instituição, por atos praticados por um mal policial, totalmente despreparado para lidar com pessoas, agressivo, desrespeitoso, que sequer respeita o Poder Judiciário, representado por mim naquele momento. Se assim o faz com um magistrado, que é um órgão do poder judiciário, imagine como trata o cidadão comum.
É esse tipo de policial, que deve ser extirpado da corporação, pois denigre a imagem da nossa polícia, quando os muitos bons policiais, são julgados da mesma forma que os poucos policiais arbitrários e despreparados como o Sgt. Cotia.
Trago ao seu conhecimento estes fatos, por ter certeza do seu caráter e firmeza em sua missão, percebidos diante da conversa que tivemos em seu gabinete, juntamente com meu assistente, que o senhor além de ser uma pessoa honesta e sensata em suas decisões, é um policial que honra sua farda e seu país, assim como preserva a todo custo a límpida imagem da polícia militar que está sob o seu comando, e saiba que esta luta não é só sua, mas de todo povo brasileiro.
Concluo este texto com a frase mais forte e com descomunal entusiasmo, do patrono do nosso exército, Luis Alves de Lima e Silva, quando estava prestes a perder a batalha de Itororó, na guerra do Paraguai, já com muitas baixas e à beira da derrota, desembainhou a espada e gritou: Sigam-me os que forem brasileiros, então atravessou a ponte com sua tropa e venceu a batalha.
Pois aqui, além de uma magistrada, sou acima de tudo uma cidadã brasileira que amo minha pátria, minha nação e meu povo, que honro e respeito as instituições brasileiras, pois são estas que nos mantém seguros e unidos como uma nação, como um povo, como pessoas, como aquelas que seguiram Duque de Caxias e nos garantiram a liberdade que hoje desfrutamos.
Olga Beatriz Vasconcelos Batista Alves, juíza do Trabalho da 5º Região
Salvador, 16 de abril de 2019.
Fonte: Jornal Grande Bahia
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