Junto à Ilha de Maré, a mais tradicional e conhecida, Frades e Bom Jesus dos Passos são as duas outras ilhas que pertencem ao território de Salvador. São bairros paradisíacos localizados na Baía de Todos-os-Santos, que juntos têm uma população 12.734 habitantes, o que corresponde a 2,4% da população de Salvador, que é de aproximadamente 3 milhões de pessoas segundo o último senso do IBGE.
São locais quase desertos conhecidos por poucos baianos, mas que atraem muitos turistas que buscam as belezas naturais e a culinária local, conhecida internacionalmente. Das três ilhas da capital baiana, Frades e Bom Jesus dos Passos têm se destacado na preservação ambiental e consequente atração turística muito em decorrência do trabalho desenvolvido pela Fundação Baía Viva, entidade sem fins lucrativos e criada em 1999 por empresários baianos que visavam recuperar e valorizar a Baía de Todos os Santos.
Isabela Suarez, presidente da Fundação, falou ao BNews sobre a proposta de atuar na preservação e valorização de um dos maiores e mais representativos cartões postais da história da Bahia e do Brasil. A gestora falou sobre o trabalho de atração turística e sobre as dificuldades em relação ao transporte e à mobilidade na região.
“Há um trabalho de atração turística de Ponta de Nossa Senhora, que é um roteiro quase que automático em função do tempo que as pessoas vendem esse passeio no mercado. Bom Jesus dos Passos é um destino em ascensão. Como ele apresenta característica que facilitam o turismo interno, por poder chegar muito perto de carro através de Madre de Deus, isso facilita muito para quem vive as redondezas, Candeias, São Francisco do Conde, toda a Região Metropolitana. A localidade dessa ilha proporcionou muito a circulação”, relatou.
Suarez, porém, fez uma crítica em relação às dificuldades de transporte e locomoção entre as ilhas e entre as ilhas e outros bairros de Salvador: “É bem verdade que faltam linhas náuticas saindo do terminal náutico. É uma boa inciativa para o poder público ativar, e que não é tão complicado de fazer. Existem catamarãs que fazem linha direta até Ponta de Nossa Senhora. Hoje são passeios tradicionais que passam na Ilha dos Frades e vão para Itaparica. Em Bom Jesus, apesar da facilidade de chegar de carro, deveria ter uma linha náutica direto”.
Com um pouco menos de 800 habitantes, a Ilha dos Frades é a mais extensa em território. São, ao todo, 13,63 km² de exuberância e história. E como no resto da cidade, as grandes propriedades pertencem a famílias da elite, enquanto a população mais carente vive em vilas precárias. Uma das curiosidades do local é que a ilha parece uma espécie de estrela com 15 pontas, tendo uma praia em cada uma delas. Loreto, Paramana e Nossa Senhora de Guadalupe são as mais conhecidas.
Além das águas tranquilas e cristalinas que proporcionam um prazeroso banho de mar, a Ilha dos Frades tem paisagens compostas por lagoas, cachoeiras, montanhas e vegetação típica da Mata Atlântica, inclusive o tradicional pau-brasil. Também abriga construções antigas que ajudam a contar sua história, entre elas as igrejas de Nossa Senhora do Loreto e Nossa Senhora de Guadalupe.
A presidente da Fundação Baía Viva falou ao BNews sobre a consolidação da referida ilha como destino turístico: “Frades vem numa consolidação turística porque Ponta de Nossa Senhora sempre foi vendida pelas agências que saem do terminal náutico. Esse destino foi se fortalecendo cada vez mais após a requalificação do terminal de embarque e desembarque, reestruturação dos restaurantes dos nativos, a ida do restaurante e pousada de Preta e a inauguração da Taperia”.
Isabela afirma que parte desse desenvolvimento comercial e turístico se deve a fatores ambientais: “A Ponta de Nossa Senhora se fortaleceu turisticamente que passa por uma reestruturação ambiental, que passa pelo selo Bandeia Azul. Os serviços existiam, mas não eram qualificados.
Selo Bandeira Azul
Trata-se de uma certificação internacional renovada anualmente. Segundo Isabela, a Ilha dos Frades foi pioneira no Norte e Nordeste na obtenção do selo. “A gente passa por uma inspeção anual, esse relatório é encaminhado para uma comissão de avaliação que diz se a gente está mantendo os critérios (segurança, qualificação dos serviços e balneabilidade da água) que validam a chancela da Bandeia Azul e aí eles concedem o selo por mais um ano.
Para conseguir o selo e a renovação, Isabela Suarez afirmou que foi preciso realizara uma campanha de conscientização e coletas: “Isso acaba dando um norte das ações que temos que fazer para que as pessoas evitem descartes de coisa de forma geral para a gente manter os índices, propor a sociedade uma nova mentalidade, um novo comportamento”.
Gastronomia
Negócio diferenciado – A empresária e designer Juli Holler junto ao seu marido e sócio, o chef José Morchón, viu na Ilha dos Frades um potencial diferenciado para abrir um negócio. O casal, que já comandava o La Taperia no Rio Vermelho e outros empreendimentos, resolveu levar uma unidade do restaurante de cozinha espanhola para a ilha.
“Chegou a nós via amigos em comum, o pessoal da Fundação, a proposta de abrir esse restaurante na Ilha dos Frades e isso faria parte de uma reestruturação urbanística. Passou a pandemia toda com a obra e a gente abriu no finalzinho do verão passado, quase em fevereiro. A ideia era fazer o La Taperia, que é uma casa muito cheia em Salvador e com bastante demanda. Destrinchar ela para uma casa com serviço um pouco menos louco, digamos assim, com mais cuidado”.
O resultado foi um restaurante sazonal, que funciona parte do ano, basicamente de setembro a março, a depender do tempo, e que busca ser bastante acolhedor e, claro, com pratos de dar água na boca: “A gente trabalha com o asador, então o restaurante da ilha se chama Taperia – Asador, onde a gente foca na cozinha a lenha, de brasa. E a gente tem, também, a parrilla, que é tipo uma churrasqueira. Lá a gente faz frutos do mar, carnes nobres e muito leitãozinho e cordeirinho”.
Para a empresária, o Selo Bandeira Azul foi um dos motivos que a fez topar abrir um empreendimento comercial na localidade de tão difícil acesso: “Os atrativos que fizeram a gente escolher é que é um lugar com uma natureza exuberante e maravilhosa com altíssima conservação. A Bandeira Azul também nos encheu os olhos, pelo respeito ao meio ambiente. A Ponta de Nossa Senhora não é um lugar tão autossuficiente, então não tem mercadinhos, não tem padaria, farmácia. Mas sinceramente eu também pensei da gente aproveitar esse paraíso com nossas crianças, a gente tem dois filhos pequenos. Então, foi para unir o útil ao agradável: basicamente a natureza e a mudança da nossa rotina para uma coisa mais diurna”.
Para Juli, há um potencial turístico ainda inexplorado em decorrência de limitações e falta de divulgação. Ela também critica a falta de linhas de transporte marítimo: “Em relação ao turismo, eu acho que ele tem muitas potencialidades, mas que ainda não estão devidamente aproveitadas. Com fé em Deus, no futuro poderá ter uma linha pública que possa trazer mais pessoas, porque por enquanto ainda é um lugar muito exclusivo. Logicamente o lugar ainda está em obra, está crescendo, a gente reconhece. Mas, ao mesmo tempo, a gente vê as limitações do lugar. Tem que ser constantemente divulgado como destino turístico. Contamos com que esse verão vá melhorando e que vá se intensificando essa frequência na ilha”.
Questionada sobre a atenção dispensada pelo poder público à localidade, a empresária Juli Holler ponderou, mais uma vez, a questão que envolve a falta de transporte: “A gente teve uma conferência da prefeitura onde a gente consegui opinar, falar os prós e contras. Eu acho que se tivesse uma questão de transporte que conseguisse viabilizar mais essa ida e vinda das pessoas de outras localidades da ilha seria melhor. O transporte, a mobilidade de quem trabalha e mora ali ainda é muito limitada. E, também, o transporte com a capital. Precisamos de maneiras mais fáceis de chegar”.
Holler foi além e falou sobre a rotina cansativa para chegar à ilha: “Às vezes para trazer as coisas eu tenho que ir para Madre de Deus, a gente estaciona lá, depois pega os barquinhos pequenos, que também têm um custo bem alto se for fazer esse transporte diariamente”. Apesar dos problemas de transporte, a empresária elogiou a limpeza e disse que “em questão de segurança a gente fica tranquilo, é um oásis, no Brasil não existe lugar onde se possa ter tanta tranquilidade quanto a Ponta de Nossa Senhora na Ilha dos Frades”.
Mas, ao que parece, uma queixa é comum a todos quando se trata das ilhas de Salvador, seja a dos Frades ou Bom Jesus dos Passos: o transporte / mobilidade. “É um ponto importante a se melhorar nos Frades. Como aqui é uma ilha, devido a essa dificuldade aqui só se chega de barco particular ou de escuna, com os passeios diários para cá. A locomoção deve ser melhorada. Até para quem tem um comércio aqui na ilha a logística tem que ser extremamente precisa, porque como tudo vem de fora, esse é um ponto chave para ser melhorado”, destacou.
Menor das três ilhas, com apenas 0,45 km², Bom Jesus dos Passos vive da agricultura de subsistência e da pesca de peixes e mariscos. Com um estilo rústico, o local tem como praias mais procuradas Pontinha e Ponta do Padre, mas, diferentemente de Ilha de Maré e Ilha dos Frades, não há largas faixas de areia. Próximo ao atracadouro, estão concentrados os restaurantes dos nativos em um corredor com instalações padronizadas. Um dos marcos da ilha é a igreja de Bom Jesus dos Passos, que dá nome à localidade.
Isabela Suarez, presidente da Fundação Baía Viva, também fala com bastante carinho sobre a Ilha de Bom Jesus dos Passos: “Passamos a fazer um investimento em Bom Jesus dos Passos. O setor de serviços é ainda mais forte, vem passando por uma requalificação da marina, enseada do Loreto. Existia uma necessidade de oferecimento de serviços para esse mercado náutico. Fizemos a requalificação de um ponto da ilha que virou uma marina, com lojas, artesanatos. Foi se expandindo como destino. As próprias pessoas que moram lá passaram a fazer investimentos nos próprios imóveis, fazendo Airbnb, abriram pousadas, restaurante de comida típica. É um lugar que promete e vai ser uma alternativa”.
Em entrevista ao BNews, Vanessa afirmou que a infraestrutura da ilha vem melhorando com o passar dos anos: “Após as intervenções da Fundação Baía Viva, a ilha atualmente tem uma infraestrutura com padrão internacional, com restaurantes, pousadas, bares, carros elétricos para transportar os visitantes, empórios, cafés. Comércios que surgiram após as melhorias realizadas. Anteriormente não tinha o mínimo de infraestrutura, não havia calçamento, saneamento básico, pronto atendimento no posto de saúde. A ilha tem programas de reciclagens e compostagem do lixo orgânico gerado. Sem contar que havia muita violência e tráfico de drogas. E nos tempos de hoje a imagem vendida para quem chega é exatamente a tranquilidade, paz e segurança do local”.
Entre os atrativos turísticos da ilha, Vanessa cita “paz, tranquilidade, ruas charmosas e cheias de histórias, praia e ruas limpas e segurança”, mas claro que não poderia faltar a “comida boa”: “Temos a fama de Ilha Gastronômica, afinal a ilha já ganhou 4 títulos do ‘Panela de Bairro’, e desses 4, 2 são meus”.
Segundo a empresária, não existe atenção por parte dos órgãos governamentais. “Quem investe em infraestrutura, elevação de renda, capacitação de mão de obra e políticas públicas é a Fundação Baía Viva”.
As belezas da ilha podem ser conferidas de perto após uma visita ao Restaurante Das Águas, que surgiu em dezembro de 2019 e fica localizado na Marina do Brito, em frente a enseada da Luiza (Ilha dos Frades”). Segundo a chef Vanessa, por lá é possível encontrar “pratos criativos e contemporâneos muito bem elaborados, acompanhado de drinks refrescantes de tirar o fôlego”.
RESPOSTAS
Diante das unânimes reclamações com relação a transporte / mobilidade nas e entre as ilhas de Salvador, o BNews procurou órgãos das gestões estadual e municipal. A secretaria de Mobilidade Urbana de Salvador, que responde, por exemplo, pela travessia marítima os bairros de Plataforma e Ribeira, respondeu sem dar uma previsão de solucionar os problemas citados.
“A Secretaria Municipal de Mobilidade (Semob) planeja a realização dos estudos necessários para avaliar e identificar as demandas deste tipo de transporte na região das ilhas pertencentes a Salvador. Entretanto, ainda não há uma previsão para finalização destas análises”, justificou em nota.
Já a secretaria de Turismo da Bahia ressaltou que não é de sua alçada a oferta de transporte náutico entre bairros de Salvador, mas pontuou que requalificou terminais turísticos de duas ilhas.
“A Ilha de Bom Jesus dos Passos teve o seu terminal turístico requalificado, com a reforma do píer e do piso e a substituição do guarda-corpo. A região, que tem em destaque a Igreja de Bom Jesus dos Passos, abriga manguezais, floresta densa e um mar calmo propício à prática de esportes. As praias de Pontinha e Ponta do Padre são as mais procuradas para o banho. É ação do Prodetur da Baía de Todos-os-Santos. Na Ilha de Maré, onde não circulam carros e as praias são de mar calmo, o Terminal Turístico de Botelho foi restaurado, ampliado e modernizado. O equipamento recebeu novas rampas e escadas, além da recuperação de uma ponte fixa e da implantação de uma rampa móvel e de um cais flutuante de atracação. Os visitantes que chegarem para desfrutar da tranquilidade e da famosa gastronomia da região contam agora com estrutura adequada”, justificou.
Reportagem: BNews
Deixe seu comentário